Antropóloga carioca comenta o Primeiro Encontro Brasileiro de Xamanismo

Gláucia Buratto Rodrigues de Mello
Antropóloga, pesquisadora da FAPERJ
O I Encontro Brasileiro de Xamanismo aconteceu do 13 ao 20 de março passados, em São Paulo. Foram oito dias intensos de atividades programadas que incluíram palestras, vivências e oficinas, por uma troca de experiências e saberes, versando sobre o xamanismo e conhecimentos afins. No final do evento, foi oficialmente fundada a Associação Brasileira de Xamanismo – ABRAX, com a nomeação de Léo Artése para a presidência. Participaram do encontro lideranças e pajés indígenas, como Timóteo Verá Popgyua (guarani), Ni-í (katukina), Wiannã (kariri xocó) e Leopardo Yawabanê (kaxinawá), entre outros; xamãs urbanos e terapeutas alternativos diversos, como Léo Artése, Sthan Xanniã, Carminha Lévy, Cyro Leãoo, Clêudio Bueno, Vera Tanka, Tony Paixão, Tatiana Menkaiká, Zilda Carvalho, Yatamalo, entre outros. O evento contou com a presença de antropólogos, como Bia Labate, José Guilherme Magnani, Leila Amaral, Renato Sztutman, entre outros; pesquisadores e interessados diversos no campo do xamanismo.

A organização do encontro - Léo Artése e Associação Lua Cheia, que contaram com a consultoria de Bia Labate - está de parabéns, pela corajosa (super extensa) pauta do encontro, cumprida integralmente, pela escolha dos convidados e pela qualidade das palestras. O universo do xamanismo e do neoxamanismo puderam ser, no encontro, grandemente iluminado em múltiplas expressões: pajelança indígena; xamanismo mongol, siberiano, celta, crístico, alquímico, dos chakras e tântrico; práticas espirituais dos índios norte americanos (busca da visão, animais totêmicos e de poder, sauna sagrada); uso de substâncias psicoativas (jurema, ayahuasca, kambô, peiote, ervas medicinais); o papel do feminino, calendário sagrado, relações entre xamanismo e psiquiatria, continuidades e descontinuidades entre o xamanismo e o neoxamanismo, além de danças, cantos e vivências, círculo de mulheres, Toques de Tambores, rodas de cura e cerimônias da entrada do equinócio de outono e do Cachimbo Sagrado.

O evento teria sido perfeito, ao meu ver, se tivesse incluído, na sua já extensa pauta, espaço, palestrantes e articuladores com foco político sobre as reivindicações, problemas da saúde, das terras e das várias tensões que afligem e vitimam desde sempre os povos indígenas. Da mesma forma, seria interessante uma maior articulação entre os antropólogos e as lideranças indígenas, por um esforço mais efetivo de encontrarem juntos uma linguagem comum para as articulações necessárias, o que contribuiria também para melhor iluminar as demandas de um e as funções de outro diante da sociedade moderna, sob a bandeira comum da humanidade. Mas, este foi apenas o primeiro encontro. Torçamos e contribuamos para que outros venham, para que o encontro tenha regularidade anual, para que o movimento ganhe força e visibilidade e para que este amplo e fecundo universo seja melhor conhecido, na sua lógica e coerência internas, na sua potencialidade sagrada e na sua efetiva realidade sociocultural. Que a experiência do primeiro encontro permita ajustes para que os próximos sejam cada vez melhores.
Rio de Janeiro, mar/abr/2005.
Texto escrito para o site Comunidade Virtual de Antropologia (http://www.antropologia.com.br), gentilmente cedido pela autora para o blog do Alto das Estrelas.
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Foto - Timóteo Verá Popyguá no Primeiro Encontro Brasileiro de Xamanismo