Guerra Perdida: A repressão aos usuários de drogas caiu em descrédito

por Wálter Fanganiello MaierovitchIn: Revista Carta Capital :http://www.cartacapital.com.br/app/materia.jsp?a=2&a2=9&i=4167Em 2009, o mercado de drogas proibidas vai movimentar, no sistemafinanceiro internacional, por baixo, 300 bilhões de dólares. Nosúltimos quinze anos, esse valor oscilou entre 100 bilhões e 400bilhões de dólares. É a demonstração do vigor de um setor que nãoparece atingido pelos efeitos da crise financeira mundial.Na verdade, o mercado sem fronteiras das drogas proibidas nunca viveutempos de vacas magras e a War on Drugs, com etiqueta Made in USA, nãoimpediu o aumento dos lucros das internacionais criminosas. Para seter ideia, nos 25 últimos anos de ?guerra às drogas?, os EUA jogarampelo ralo 25 bilhões de dólares. Como se percebe, uma War on Drugsfundamental para mantê-los como maiores consumidores do planeta.A chamada indústria das drogas já passou por turbulências. Tudo, noentanto, sem deixar seus consumidores abstinentes e de narinasnervosas. As duas guerras do ópio travadas entre a China e o ReinoUnido (1839-1842 e 1856-1860) não reduziram a oferta. Os cinco anos dofracassado Plan Colombia, iniciado por Bill Clinton e continua-do porGeorge W. Bush, não tiveram o efeito anunciado. Apesar do derrame, poraviões da empresa privada DynCorp, do herbicida glifosato, produzidopela Monsanto, em áreas de cultivo de arbustos de coca, a Colômbiacontinua a ser a principal fornecedora de cloridrato de cocaína: 80%da cocaína consumida na Europa e nos EUA sai do país de Álvaro Uribe.A área de cultivo andino, encerrado o Plan Colombia, continuou igual,segundo demonstram fotos por satélite. Faz vinte anos que osprodutores da região andina mantêm o plantio em uma área de 200 milhectares.Os resíduos de cocaína recentemente encontrados nas águas do Tâmisa edetectados na atmosfera de grandes centros europeus mostram a pujançadesse mercado ilegal. Também revelam tratar-se de utopia a existênciade uma sociedade sem consumo de drogas. A propósito, o Fundo MonetárioInternacional (FMI) concluiu, em 2004, que o dinheiro originário donarcotráfico, depois de lavado, representa de 2% a 5% do PIB mundial.Como a oferta e o consumo cresceram após 2004, o estudo do FMI aindaguarda utilidade. Até porque as polícias, no mundo inteiro, ainda nãoconseguiram apreender mais de 5% do ofertado.Na atual crise econômico-financeira, mexer com o mercado das drogasrepresentaria um verdadeiro ?tiro no pé?. Ou melhor, seria a receitaideal para alcançar mais rapidamente a bancarrota planetária. Arespeito, já ouvi desabafos de financistas europeus do tipo: ?Aindabem que a War on Drugs não funciona?.O certo é que os narcos devem estar sentindo segurança, poismolestá-los acarretaria riscos de queda de movimentação do capitalsujo, substancioso para o sistema financeiro. Grande parte dessecapital sujo é reciclada em atividades formalmente lícitas: a?NDrangheta, ou máfia calabresa, investiu pesadamente durante anos nacompra de ações, como apurado pela Bolsa de Valores de Frankfurt. Oturismo de Aruba (Antilhas Holandesas) só entrou no circuitointernacional quando o crime organizado mafioso nele investiu e otransformou.Como a droga sempre foi usada como bandeira para encobrir a defesa deinteresses geopolíticos, geoestratégicos e geoeconômicos, despontamnovos discursos, como o do governador da Califórnia, ArnoldSchwarzenegger, como ficará assinalado mais adiante.A geoeconomia das drogas proibidas aponta, nos últimos quinze anos,para um alarmante crescimento de Estados que se tornaram dependentesdas mesmas. Em outras palavras, e com relação à economia, Estados?drogadictos?, para usar a expressão reservada aos usuários comdependência. Marrocos, Gâmbia, Guiné Equatorial, Libéria, Colômbia,Bolívia, Afeganistão, México, Laos, Mianmar (antiga Birmânia),Tailândia, Vietnã e Camboja são alguns deles.Diante da crise financeira, não errará quem sustentar ter sido maisimportante a prisão do megafraudador Bernard Madoff do que arealização do desejo da secretária norte-americana de Estado, HillaryClinton, que preconizou um empenho binacional para a captura damexicana Blanca Margarita Cázares, apelidada de a Imperatriz dosNarcos.Blanca, de 54 anos, é a grande ?lavadeira? de dinheiro sujo doscartéis mexicanos e dos potentes cartelitos colombianos, segundo oTesouro dos EUA. Ela se encontra foragida desde o anúncio da visita deHillary Clinton ao México. Pelo que circula, os 007 trapalhões da DEA,agência norte-americana de combate às drogas, dão plantão, entre ascidades de Tijuana e Juárez, nas igrejas com imagens da Virgem deGuadalupe, santa de grande devoção de Blanca.A economia movimentada pelas drogas, em tempos bicudos, vemdespertando a atenção dos gestores públicos. Na Holanda, por exemplo,os oito administradores de cidades de fronteira tentam acalmar oseleitores incomodados com o ?bate e volta? de alemães e belgas, queingressam nas cidades para comprar maconha. Anualmente, 4 milhõesfazem esse percurso do turismo da maconha. Como fechar os locais devenda resultaria em desastre financeiro, os ?prefeitos? queremvincular, a partir de 2010, a venda de maconha mediante a apresentaçãode uma carteira de identificação, tudo na tentativa de acalmar oseleitores que se incomodam com as algazarras promovidas porestrangeiros.Uma Califórnia quebrada e sem poder aumentar tributos levou ogovernador Schwarzenegger, um republicano que já apoiara Bush na Waron Drugs, a reunir a imprensa no começo de maio. Ele precisavaanunciar que havia chegado o momento de seu estado discutir alegalização da maconha para uso lúdico-recreativo. Pelos seuscálculos, a legalização da maconha para consumo recreativo permitiria,por meio de tributos, a arrecadação de 1,3 bilhão de dólares, o quepoderia ajudar a salvar a lavoura. O rombo nas contas públicas doestado é estimado em 42 bilhões de dólares.Schwarzenegger, na verdade, deu sinal verde para a bancada estadualrepublicana aprovar o projeto de lei apresentado, em abril passado,pelo deputado Tony Ammiano. O projeto equipara a maconha às bebidasalcoólicas e prevê dupla arrecadação: na concessão de alvará paracultivo e, posteriormente, na tributação relativa à comercialização.Cada onça (28 gramas) de maconha vendida geraria, consoante exposiçãode motivos do projeto Ammiano, arrecadação tributária de 50 dólares. Amanifestação do governador empolgou Ammiano, que já fala que cadacigarro de maconha sairia para o consumidor a 1 dólar, ?uma bagatela?,segundo o parlamentar.A Califórnia tem um legislação que permite, mediante receita médica, acomercialização da maconha para fins terapêuticos. A venda oficial,nestes casos, permitiria ao estado da Califórnia arrecadar,anualmente, 200 milhões de dólares. Essa fatia de ?arrecadaçãoterapêutica? é também pretendida pelos estados de Minnesota, NewHampshire e Rhode Island, onde tramitam em regime de urgência iguaisprojetos legislativos. Na entrevista coletiva, Schwarzenegger frisou:?Estou aberto para avaliar qualquer ideia voltada para criar receitasextras. E penso ter chegado a hora de iniciar o debate sobre alegalização da maconha para consumo recreativo?.A animação do governador da Califórnia contagiou o partido de esquerdada Alemanha, que também atravessa maus bocados com a crise financeira.Para a alemã Monika Knoche, porta-voz e responsável pela elaboração deprojetos de lei sobre o fenômeno das drogas ilícitas, uma solução paraenfrentar a crise alemã, que é a maior desde a reunificação do país,passa pela maneira de encarar o problema das drogas. E ela fez umaressalva: ?Legalização da maconha por razões exclusivamenteeconômicas?.A proposta de Monika é um pouco diversa da do deputado californianoAmmiano, que pensou em outorga de concessões para a venda, comoocorrido na Itália com o sal e o tabaco. Monika defende a venda nasfarmácias. ?Em razão da crise atual, se a venda de cannabis fossepermitida com regras normativas bem estabelecidas, oxalá, e com asvendas realizadas em farmácias, o Estado poderia contar com novasentradas fiscais?, disse a alemã.A legalização do mercado das drogas tornou-se atraente. Conservadorese moralistas, com bolsos afetados, talvez comecem a abrandar seusdiscursos e cheguem no victimless, ou seja, o usuário visto comovítima de si mesmo. Um indicativo de mudança apareceu na primeiraentrevista de Gil Kerlikowske, o czar antidrogas do governo BarackObama, que já teve o nome confirmado pelo Congresso. Para ele, a Waron Drugs nunca deu certo. ?Independentemente da maneira como seprocura explicar às pessoas que o governo cuida de uma guerra contraas drogas e outras substâncias proibidas, os americanos percebem serela uma guerra contra as pessoas. E não devemos entrar em guerra com opovo deste país?, declarou o novo czar antidrogas dos EUA.Só falta o presidente Obama revelar como será a política americanasobre drogas. Espera-se que não decepcione, como ocorreu no caso dosConselhos Militares ad hoc, mantidos para julgamento de acusados deterrorismo.

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