PROJETO BALADABOA: Redução de Danos para o uso de ecstasy
Por Stella Pereira de Almeida,
escrito especialmente para este site.
O projeto BALADABOA teve início há 10 anos atrás no Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo. Foi realizado em três etapas que corresponderam ao mestrado, doutorado e pós-doutorado de Stella Pereira de Almeida, orientados por Maria Teresa Araújo Silva.
A etapa inicial foi realização da 1ª pesquisa brasileira com usuários de ecstasy, substância psicoativa em franca ascendência no Brasil. Verificamos nesta primeira pesquisa que a maioria dos usuários NÃO desejava diminuir ou interromper o consumo e que o fator que mais interferia na freqüência de uso era “preocupação com a saúde”. Assim, a Redução de Danos (RD) mostrou ser a estratégia mais adequada ao público usuário, ou seja, indivíduos com acesso a esta substância psicoativa, preocupados com sua saúde mas não dispostos a se abster do uso.
Assim, a segunda etapa do projeto Baladaboa teve como objetivo subsidiar intervenção de RD para o uso de ecstasy. Foi realizada uma pesquisa online, da qual participaram 1.140 usuários respondendo a um questionário que visava identificar as características sócio-demográficas dos usuários, seus padrões de uso e os principais riscos associados ao consumo desta substância psicoativa.
A terceira etapa do projeto foi a realização de uma intervenção que começou distribuindo material com informações de RD em casas noturnas e universidades de São Paulo em março de 2007. Concomitantemente, foi disponibilizado no site do projeto um questionário que avaliava esta ação. Para a realização desta etapa foram solicitadas e concedidas pela agência governamental de pesquisa FAPESP uma bolsa de pós-doutorado e verba de auxílio à pesquisa. O relatório parcial enviado à FAPESP mostrava que as metas planejadas tinham sido atingidas e que os dados preliminares avaliando a intervenção eram altamente positivos, solicitando, assim, renovação da bolsa para a continuidade do projeto.
Entretanto, em junho de 2007, antes que a FAPESP respondesse à solicitação de continuidade da bolsa e, portanto, do projeto, um portal de notícias veiculou que o projeto Baladaboa era responsável por “flyers polêmicos que ensinavam estudantes como reduzir efeito do ecstasy”. A partir de tal notícia, outros meios de comunicação acusaram o projeto de utilizar verbas públicas para fazer apologia ao uso de ecstasy. Em resposta a tais acusações, a FAPESP suspendeu imediatamente todo apoio ao projeto, sem consultar ou comunicar as pesquisadoras. Tal atitude, abrupta e sem precedentes, chamou atenção da imprensa. A comunidade científica e alguns veículos de comunicação posicionaram-se frontalmente contra a decisão da FAPESP e a suspensão ao projeto foi cancelada em quinze dias. Entretanto, a solicitação de prorrogação da bolsa não foi respondida, seu prazo terminou em agosto de 2007 e o projeto Baladaboa teve fim.
Ainda, motivado por denúncia anônima, o Ministério Público entrou em contato com as pesquisadoras solicitando diversos esclarecimentos, que também haviam sido solicitados à FAPESP em julho, quando a prorrogação da bolsa estava sendo decidida. Apesar de prestados todos os esclarecimentos, o Ministério Público de São Paulo determinou a abertura de inquérito policial para averiguação dos crimes: “incitação ao crime” e “indução, instigação ou auxílio ao uso indevido de drogas” tendo como averiguadas as coordenadoras do projeto “BALADABOA”. Advogados constituídos pelas investigadas entraram com um pedido de Habeas corpus (HC), que foi concedido, paralisando as investigações. No momento, aguardamos o julgamento do mérito deste HC. É possível que o inquérito seja encerrado, mas de qualquer forma, são pesarosas as conseqüências do ocorrido.
Em primeiro lugar, é um desacerto a descontinuidade de intervenção pioneira no Brasil, absolutamente de acordo com os pressupostos da Política Nacional sobre Drogas, que vinha sendo apoiada e reconhecida em seu mérito pela comunidade científica e pelo público alvo, e que apresentava resultados preliminares extremamente positivos. O impedimento de sua continuidade, no mínimo, faz desaparecer a possibilidade de socializar a experiência preventiva através da sistematização do projeto. Assim, embora muito promissora, a intervenção financiada com o dinheiro público não poderá ser reproduzida ou implementada, tornando-se uma experiência isolada.
Em segundo lugar, a tentativa de incriminar pesquisa científica, aprovada por Comitê de Ética e conduzida por pesquisadoras com comprovada experiência na área de drogas é descredenciar e desacreditar a política de RD para usuários de drogas ilegais. Apenas o obscurantismo é capaz de identificar incitação ao crime ou incentivo ao uso de drogas em estudo científico e pesquisa acadêmica tal como a nossa. Desta forma o que se busca é anular qualquer iniciativa que se desvie do intolerante proibicionismo, segundo o qual em matéria de drogas ilegais só são válidas iniciativas que preguem a abstinência irrestrita e a repressão penal.
Gostaríamos muito de prosseguir com nosso trabalho, iniciando pela sistematização do projeto que permitirá que a experiência possa ser compartilhada. Para isso precisamos de algum apoio financeiro, o que não tem sido fácil encontrar no Brasil.
Caso você se interesse em fazer uma doação para a continuidade do projeto, favor entrar em contato com Stella: stella@usp.br