Resenha sobre o livro-reportagem "Centro Livre - Ecletismo Cultural no Santo Daime"

Título: "Centro Livre - Ecletismo Cultural no Santo Daime", São Paulo, Editora All Print, 2006, 184 pp.

Autores: Carolina Arruda, Fernanda Lapietra, Ricardo Jesus Santana

Resenha:

O livro-reportagem “Centro Livre” é o resultado de um trabalho de conclusão de curso (TCC) da Faculdade de Jornalismo da UMESP. Baseia-se em uma pesquisa realizada na Vila Céu do Mapiá, sede central do Cefluris/Santo Daime, no interior da Amazônia. A investigação foi feita entre 19 de junho e 7 de julho de 2005, período em que ocorre o ‘festival’ de ‘trabalhos espirituais’ e que, em 2005, contou também com a comemoração dos oitenta anos da Madrinha Rita Gregório de Melo, viúva do Padrinho Sebastião, líder máximo desta vertente daimista.

O livro combina diferentes recursos metodológicos: por um lado, toma Isabela Figueiredo, uma jornalista paulistana de trinta anos que visita o Mapiá, como personagem para construir uma narrativa literária sobre a vida na comunidade; por outro, faz uso de depoimentos em primeira pessoa, entrevistas, pesquisa bibliográfica e fotos.

A obra é uma produção independente modesta, financiada pelos próprios autores, sem editora. Neste sentido, deve ser tomada como exemplo de como o esforço de um grupo de estudantes de graduação pode gerar frutos valiosos.

A descrição sobre a história do Santo Daime, embora sistemática, parece não acrescentar muito à literatura já existente, repetindo, por vezes, alguns chavões, como a idéia amplamente difundida – sem comprovação científica – de que os incas utilizavam a ayahuasca, assim como o uso pouco cerimonioso da para lá de desgastada palavra ‘xamã’.

Seu ponto alto parece ser a descrição do festival daimista, que reuniu mais de setecentas pessoas de várias partes do mundo (o qual, aliás, tive o prazer de presenciar in loco). A celebração incluiu a visita de uma comitiva do “Conselho das Treze Avós Nativas” ("The International Council of Thriteen Indigenous Grandmothers"), que incluiu a presença de uma curadora africana do Buiti, que utiliza a iboga (Tabernanthe iboga) e uma representante de uma das vertentes da Native American Church (NAC), que adota o cacto peiote (Lophopora wiliamsii) em seus rituais. Ambas realizaram cerimônias no Mapiá. Estão descritos também trabalhos espirituais com "banca aberta", isto é, com incorporação de espíritos -- novidade introduzida pelo Cefluris que tem gerado polêmica entre as vertentes daimistas mais ortodoxas.

Por fim, somos introduzidos brevemente ao "Prato Raso", desconhecido na literatura brasileira sobre o tema. A clínica fica a quarenta minutos de caminhada do Céu do Mapiá. De acordo com os autores, a pertence ao Instituto de Etnopsicologia Amazônica Aplicada (“IDEAA", localizado na Espanha), tendo sido instalada em 2000 em Belo Horizonte (MG) e dois anos depois transferida para a Amazônia. Dirigida por uma daimista, trata de dependentes químicos através da combinação da utilização da ayahuasca e de técnicas variadas, como exercícios de Chi Kunkg, Tai Chi Chuan, massagens orientais e a vacina do sapo conhecida como Kambô (Phyllomedusa bicolor). (Leia aqui uma reportagem da Folha de São Paulo que fala do IDEAA).

Todas estas práticas revelam a efervescência cultural e simbólica da “linha do Padrinho Sebastião”, que incorporou uma ampla nova gama de práticas na já sincrética doutrina daimista, além de estabelecer trocas e alianças com grupos diversos, dando vazão assim a uma espécie de laboratório espiritual psicodélico transnacional. Talvez derive daí o subtítulo do livro “Ecletismo Cultural no Santo Daime”.

Esta obra tende, provavelmente, a se tornar mais um livro de cabeceira de um grande contingente de daimistas em busca de informações sobre sua própria história, nesta arena ainda tão carente de referências. Boa leitura!

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