Siã Kaxinawá participa de longa metragem brasileiro.

Um Meteoro a brilhar nas telas do Brasil

Txai Terri Valle de Aquino & Marcelo Piedrafita Iglesias
http://www2.uol.com.br/pagina20/27052007/papo_de_indio.htm

Marcelo Piedrafita Iglesias

Respeitável público, leitores do Papo de Índio, o verdadeiro: faço uso deste espaço para divulgar a estréia, em breve, nos cinemas de várias cidades brasileiras, do belo filme Meteoro, fruto de vários anos de um prazeroso e árduo trabalho de um querido grupo de amigos e companheiros de vida. De especial interesse para o povo do Acre, o filme traz como ator, num papel de destaque, José Osair Sales, mais conhecido entre nós como Siã Kaxinawá.

Produzido pela Cinelândia Brasil Produções, filmado em Juazeiro, na Bahia (junho/agosto de 2002), e nas dunas de Mundaú, no Ceará (outubro/novembro de 2004), Meteoro (115 min.) tem direção e roteiro de Diego de la Texera, produção de Maria Dulce Saldanha, fotografia de Renato Padovani, figurinos de Yamê Reis, direção de arte de Yukio Sato e trilha sonora original de Lui Coimbra e Marcos Suzano. No espírito de integração latino-americana, o filme foi finalizado (montagem, pós-produção, mixagem, edição de som) por uma ampla rede de profissionais do Brasil, Argentina e Venezuela.

Ainda em produção, Meteoro integrou a mostra “Cine en construcción”, do Festival de San Sebastián (2003), no País Basco. Finalizado, participou com destaque de prestigiados eventos no Brasil e no exterior: o Festival de San Sebastian/2006 (na mostra Horizontes Latinos), o Festival Internacional de Porto Rico/2006 (onde foi premiado, pelo público, como melhor filme), o Festival Internacional de Manaus (seleção oficial) e o Festival Internacional de Santo Domingo (onde foi premiado como a melhor trilha sonora, num evento em que a “música no cinema” era o tema central avaliado pelo júri).

Meteoro tem pré-estréias marcadas em Salvador, Rio de Janeiro e São Paulo a partir de 18 de junho e estréia oficialmente no circuito a 22 de junho. A Imovision é responsável por sua distribuição, no Brasil e no exterior. Após debutar no Brasil, Meteoro já tem estréias marcadas em San Juan, terra natal do diretor, e em Nova Iorque, onde viveu muitos anos e goza de grande prestígio como diretor e cineasta.

Já em divulgação em vários cinemas das principais cidades do sudeste, o trailer do filme pode ser visto em : http://www.youtube.com/watch?v=go1fUW7L6Pk


Uma meteórica sinopse

No princípio dos anos 60, em plena euforia desenvolvimentista do governo Juscelino Kubitschek, uma equipe encarregada de construir a radial Brasília-Fortaleza enfrenta dificuldades quando estranhas rochas impedem a construção da estrada. Entre os técnicos estão o geólogo italiano Raffaldi (Pietro Mario), o jovem topógrafo Aloísio (Lucci Ferreira) e seu grande amigo Gordo (Leandro Hassum), o ex-garimpeiro e dono da cantina Meirelles (Cláudio Marzo), o operador de rádio, o alemão Hans (Felipe Kannenberg).

Os mantimentos chegam periodicamente de caminhão pelo leito da estrada já construída e as longas noites encontram um alívio mensal com a chegada de um alegre grupo de “visitadoras”, comandadas por uma esfuziante Madame (Daisy Granados). Dentre as muitas moças, destacam-se a doce Nova (Maria Dulce Saldanha) e as exuberantes Eva (Paula Burlamaqui) e Iracema (Iracema Starling).

Após mais uma visita das “meninas”, chega pelo rádio a notícia sobre o Golpe Militar. Logo depois, as chuvas destruem o leito da estrada e o ônibus das “meninas” não regressa para buscá-las. Um avião solta os mantimentos de pára-quedas, até que um dia não retorna mais. Não restam dúvidas: aquelas 40 pessoas foram abandonadas pelo governo, entre o deserto e a caatinga, e entregues à própria sorte.

Alguns partem em busca de ajuda e não retornam. Para piorar a situação, o rádio emudece. Tempos depois, isolados, esfomeados, sedentos, sujos e mal-humorados, o grupo presencia o impacto de um meteoro próximo ao acampamento, fazendo jorrar uma fonte de água. Com o fenômeno, chega também o sábio índio Julião (Siã Kaxinawá), para quem a benção das águas tem um claro significado: é ali que aquelas pessoas devem permanecer, após cavar um lago artificial e semear uma vida melhor.

Batizado de Meteoro, o vilarejo se desenvolve em uma absoluta e bem-humorada anarquia: no grupo tão heterogêneo, tudo é permitido, desde que seja para o bem comum. A paisagem muda, a aridez é substituída por um oásis e pelas dunas, cinco anos depois, chega um novo personagem: o turco Ibrahim (Daniel Lugo), um entusiasmado mascate. Ninguém mais pensa em abandonar Meteoro. Famílias se formam, crianças nascem e crescem, brigas de casais são resolvidas por consenso, os mais velhos morrem.

Treze anos depois, um novo objeto luminoso aproxima-se de Meteoro – desta vez é um helicóptero da Força Aérea Brasileira. Os militares são recebidos com uma alegria que dura pouco: logo começam sessões de interrogatório e tortura, em busca de ligações com guerrilheiros comunistas, embora um dos militares, o Major Arruda (Marcos Weinberg), discorde de tais métodos. Suspeito de ser o elo com a guerrilha, Julião convence a comunidade que é chegada a hora da partida. A bandeira do Brasil erguida por Meirelles é dobrada. O grupo, triste mas esperançoso, deixa Meteoro em busca de um novo local para fincar a bandeira.

Reencontro de diretores

Diretor, roteirista, fotógrafo e produtor, Diego de la Texera nasceu em Porto Rico. Formou-se em Cinema e Literatura pela Universidade Nova Iorque e participou do programa de formação do Directors Guild of America, entidade que agrupa os diretores dos EUA, da qual permanece como membro ativo.

Ativo militante de causas políticas e cinematográficas, fundou em 1971 a Sandino Films, Inc., produtora de documentários para televisão e filmes publicitários nos Estados Unidos. No fim dos anos 70, viveu na Nicarágua, onde participou da Segunda Guerra Sandinista (1959-1979). Foi um dos fundadores do Instituto Nicaragüense de Cine (Incine), e diretor de El Danto, o primeiro filme rodado no país livre.

Em 1972 filmou El Salvador: el pueblo vencerá, sua obra mais conhecida, pela qual recebeu o Gran Coral no Festival de Havana de 1980, o Prêmio de Oro no Festival de Moscou de 1981 e o prêmio Fipresci (Festival de Lille). Foi um dos fundadores do Instituto Cinematográfico de El Salvador Revolucio­nário (ICSR) e um dos co-fundadores da Escola Internacional de Cinema e TV de San Antonio de los Baños (Cuba), onde dirigiu o curso de fotografia até 1987.

Dentre seus filmes estão Tesoro/1987 (co-produção Cuba, Venezuela e Porto Rico, sobre três adolescentes); Treetap/1996 (sobre índios e seringueiros no Acre); Flor de amor/1999 (sobre a infância abandonada em San José, Costa Rica) e Opará/2001, sobre o Rio São Francisco, além de vários outros documentários. Meteoro é seu primeiro longa-metragem de ficção realizado no Brasil, onde vive há dez anos.

Siã Kaxinawá nasceu em 1964 no seringal Fortaleza, coração do que depois viria a ser a Terra Indígena Kaxinawá do Rio Jordão, no Acre. Ainda rapaz, acompanhou seu pai, Sueiro Cerqueira Sales, seu irmão Getúlio e outras lideranças Kaxinawá na luta pela conquista do “tempo dos direitos”, que ganhou forma no reconhecimento oficial e na demarcação daquela terra, na retirada dos patrões e na criação da primeira cooperativa indígena no Acre. Após participar dos primeiros cursos de formação de professores indígenas promovidos pela Comissão Pró-Índio do Acre, Siã estabeleceu-se em Rio Branco, onde passou a exercer a representação política de seu povo e teve participação central na criação da União das Nações Indígenas do Acre e Sul do Amazonas (UNI). Desde 1988, e por quase 15 anos, foi presidente da Associação dos Seringueiros Kaxinawá do Rio Jordão (ASKARJ). Seu trabalho, pela preservação da floresta e a organização dos povos que nela vivem, foi premiado em 1994 com o Prêmio Reebok dos Direitos Humanos. Candidato a prefeito de Município de Jordão por duas vezes, e a deputado estadual, em outras duas, elegeu-se vice-prefeito em 2004, cargo que exerce pelo PV.

O interesse de Siã pelo vídeo nasceu em 1987, quando começou a documentar as mobilizações de seu povo Kaxinawá e da então nascente Aliança dos Povos da Floresta, primeiro em Rio Branco e depois no Vale do Juruá, durante a criação e implantação da Reserva Extrativista do Alto Juruá. Como diretor e câmara, produziu os documentários Fruto da Aliança dos Povos da Floresta (1989), Povos do Tinton René (1991), A estrada da autonomia (1992) e Kaxinawá: the real people (1993). Seus filmes foram exibidos e premiados em festivais e mostras etnográficas no Brasil e nos EUA. Colaborou também na produção de Sous les Grands Arbres (1991), longa-metragem sobre os Kaxinawá do rio Jordão, do diretor canadense Michel Régnier. Na edição e montagem deste longa, Siã teve a oportunidade de visitar a Office National du Film do Canadá, onde deu continuidade à sua formação profissional.

Em Meteoro, Siã aparecerá, pela primeira vez na condição de ator, como Julião, personagem que surge em tempos de dificuldade, apontando caminhos para tempos de maior fartura, esperança e felicidade para o vilarejo, situação esta que guarda semelhanças com o papel que, na vida real, muitas vezes exerceu para seu povo Kaxinawá.

Em um trecho da entrevista que integra o release de Meteoro, Diego de la Texera destaca que uma das maiores dificuldades que enfrentou ao compor o elenco do filme foi escolher aquele que seria Julião: “Desde o início eu pensava em escalar um índio. Por incrível que pareça, o papel de Julião foi inspirado por um índio que eu conhecera há muitos anos, Siã, cacique dos Kaxinawá, povo do Acre ligado ao extrativismo da borracha. Estive nas terras indígenas no rio Jordão, em 1996, onde fiz um curta (Treetap) sobre a produção de couro vegetal, na qual os seringueiros Kaxinawá estavam envolvidos. Depois, perdi o contato com Siã. Para Meteoro, realizei testes com vários índios atores, mas não fiquei satisfeito. E foi nesta situação que magicamente reencontrei Siã. Quando o convidei para o papel, ele disse que primeiro queria fazer um teste. Fez e, obviamente, passou. Siã não precisou interpretar, porque ele é índio - aprendeu a falar português com fluência aos 14 anos e preserva grande sabedoria e simplicidade”.

Com este singelo Papo de Índio, quero homenagear esse reencontro e alguns personagens queridos, que dele usufruíram para torná-lo mágico também no cinema. Primeiro, ao meu concunhado Diego e à Maria Dulce, sua mulher, atriz e produtora do filme, pela árdua batalha de quase dez anos, hoje materializada num filme belíssimo, que, com certeza, será visto, aplaudido e lembrado por milhares de pessoas no Brasil e lá fora. Vida longa a essa dupla, de luz e valor, em novas empreitadas de vida e labuta. Segundo, ao meu compadre Siã Kaxinawá, que, com uma segura, alegre e comovente atuação como Julião, abrilhanta o filme e dá uma relevante contribuição ao cinema nacional. Soube há pouco do nascimento da menina Tamani, fruto da união de Siã com minha amiga Andréa Martini. E esta é mais uma homenagem que, com alegria, gostaria de prestar-lhes neste Papo.

Por fim, gostaria de sugerir à Fundação Elias Mansour, do Governo do Acre, que viabilize a vinda e a exibição de Meteoro por aqui, para que, na grande tela, os acreanos possam rever Siã, agora como ator, junto com uma bela história, um grande elenco e uma incrível trilha sonora.

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