XIV Jornadas Sobre Alternativas Religiosas en América Latina

Buenos Aires, 25 a 28 de setembro de 2007

Simpósio 04: "Psicoativos, xamanismo, religião, festa e política: perspectivas cruzadas”

Quarta-feira, 26 de setembro, 9:00 — 13:00hs
Local: Aula 201 – UNSAM (Universidad de San Martín)
Paraná 145 - Buenos Aires, Argentina

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Resumo

Este Simpósio propõe um debate sobre as relações entre o uso de substâncias psicoativas e sistemas rituais, xamânicos, movimentos religiosos e construção de identidades que implicam na recorrência às noções de sagrado, mas também de etnia, política e cultura. Diferentes autores sustentam que as experiências de alteração da percepção proporcionadas por psicoativos possuem um caráter autêntico. Apoiamo-nos nesses argumentos, nos remetendo a uma discussão acerca da terminologia utilizada para designar estas substâncias. Alguns estudiosos já propuseram o termo “enteógeno” em oposição a “alucinógeno”. Enquanto esta última expressão reduz os efeitos provocados por psicoativos a uma percepção falsa da realidade, associando-os à idéia de alucinação, o termo “enteógeno” enfatiza a relevância do uso destas substâncias para a estruturação de elos com a esfera sagrada, indicando seu papel na definição das representações (rituais ou míticas) da realidade. Vários estudos refletem sobre essas questões na análise dos contextos denominados “tradicionais”, mostrando como fatores de identidade cultural, de ordem religiosa e moral possuem uma ação determinante na constituição de padrões de consumo de psicoativos. Por outro lado, partindo da perspectiva de estudos atuais, que ressaltam a complexidade de um mundo que se define como transcultural (Shalins 1997), este Simpósio pretende apontar para contextos de uso de psicoativos onde esferas como “tradicional” e “moderno”, “rural” e “urbano”, “sagrado” e “profano”, “local” e “global” se interpenetram. Os trabalhos apresentados propõem análises que rompem com esses dualismos. O tema do xamanismo é pensado, em algumas comunicações, a partir de um novo enfoque, sugerindo um diálogo entre o saber de grupos indígenas sobre psicoativos e os argumentos que pautam a classificação das “drogas” na cultura moderna-ocidental, ou ainda é revisitado através de paralelos com cenários contemporâneos, como as festas de música eletrônica. As comunicações que abordam os cultos ayahuasqueiros ou o caso da jurema trazem reflexões importantes sobre os vínculos entre movimentos de etnização locais e processos de homogeneização cultural, outras discutem o deslocamento de crenças religiosas, de contextos “rurais” e “tradicionais” para contextos “urbanos” e “modernos”, ou a transformação dessas crenças a partir do seu processo de internacionalização. Vários destes trabalhos ressaltam a reflexão sobre o papel das chamadas “populações tradicionais” na elaboração de políticas culturais e públicas, apontando para uma articulação dinâmica entre religião, política e cultura. Este Simpósio visa aprofundar o debate sobre as implicações das relações entre estas esferas (sagrado, política, cultura) na constituição de experiências religiosas fundadas pelo uso de psicoativos.

Participantes:

Coordenadora: Sandra Lucia Goulart
Fundação Faculdade Cásper Libero (São Paulo) e Pesquisadora do NEIP - Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre Psicoativos
sgoular@uol.com.br

1) Renato Sztutman
Prof. Dr. Adjunto de Antropologia da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP).
sztutman@uol.com.br

“Xamanismo, Ritual e Consumo de Substâncias Psicoativas na Amazônia Indígena”

O objetivo dessa comunicação é refletir sobre o consumo de substâncias psicoativas, como as bebidas fermentadas – as assim chamadas cauinagens –, o tabaco e a ayahuasca, em diferentes contextos indígenas. Ao mesmo tempo, pretende-se avançar no estudo comparado das diversas formas de “xamanismo”, aqui entendido como um modo de pensar, conhecer e agir sobre o mundo. O foco do trabalho recai menos nos efeitos psicofísicos dessas substâncias do que nas reflexões indígenas sobre esses efeitos, sua experiência e suas implicações. Assim, não se trata tanto de uma descrição da ética alimentar desses povos, mas da compreensão do lugar dessas bebidas nos seus modos de pensar a condição humana e as relações com o mundo não-humano. Nesse sentido, minha preocupação é analisar uma espécie de teoria indígena das substâncias psicoativas. Tendo como inspiração estudos recentes da etnologia americanista, baseando-me, entre outras coisas, no conceito de “perspectivismo ameríndio”, desenvolvido por Viveiros de Castro (2002), defendo que, esse conjunto de substâncias, utilizadas entre os povos das terras baixas da América do Sul, constitui uma espécie de “adjuvante do pensamento” que, possuindo, inclusive, uma condição de agência, funda a cultura. Em suma, pretendo mostrar que a embriaguez não é, nesses casos, um fato fortuito, mas sim algo revestido de forte simbolismo e também fundamental na realização de certos rituais. Parto, primeiramente, do exemplo dos antigos Tupi da costa – em que embriagar-se era um ato associado à antropofagia – para avançar sobre paisagens etnográficas mais atuais, onde as tais bebedeiras continuam a se fazer notar.

2) Rodrigo de Azeredo Grünewald
Prof. Dr. Adjunto do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais - Centro de Humanidades da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG).
gru@terra.com.br;

Jurema e Juremahuasca: Processos Sociais, Macro-Ecumenismo e Obstáculos Espírita-Culturais

O termo Jurema designa várias espécies de plantas psicoativas dos gêneros Mimosa, Acácia e Pithecelobium, mas também vários tipos de bebidas, de cultos e de contextos de uso. Esse trabalho pretende realizar uma reflexão sobre a diversidade de significados abrangida pelos usos da Jurema, passando pelos contextos indígenas, pelo Catimbó, ou seu consumo nas religiões “afro”, até os experimentalismos urbanos contemporâneos. Assim, nos anos noventa, foi elaborada na Europa uma nova bebida feita a partir das cascas de raízes de Jurema (mimosa tenuiflora willd poir) e de sementes de Arruda da Síria (Peganum harmala). A esta beberagem se convencionou chamar, também, de Jurema. Diferente das Juremas dos cultos afro-ameríndios brasileiros, esta bebida serviu como um análogo da ayahuasca, bebida composta a partir do cipó Banisteriopsis caapi e das folhas da Psychotria viridis e regularmente usada em cultos brasileiros com os nomes de Daime ou Vegetal. A criação da Jurema européia objetivou sua utilização na substituição do Daime em trabalhos terapêuticos então realizados em Amsterdam. Posteriormente, esta Jurema difundiu-se pelo Brasil entre grupos urbanos que a acolheram dentro de perspectivas espirituais variadas, mas essencialmente informadas por uma bagagem fornecida pelas religiosidades ayahuasqueiras e “new age”. Alguns autores propuseram denominar esta nova bebida de “Juremahuasca”. A partir dessa caracterização e focando os processos sociais concretos de experimentação da jurema em tais contextos rituais recentes, o presente trabalho pretende analisar o ecumenismo presente em suas formatações, bem como apontar para obstáculos culturais que parecem dificultar sua expansão em larga medida.

3) Pedro Peixoto Ferreira
Pesquisador (pós-doutorando) do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (CEBRAP)
ppf75@yahoo.com.br

Um duplo devir: quando a música eletrônica de pista encontra o xamanisno e o xamanismo encontra as máquinas

Proponho apresentar o trajeto percorrido durante minha pesquisa de doutorado sobre as relações entre xamanismo e música eletrônica. Em primeiro lugar, apresentarei aquilo que chamei de “discurso nativo” acerca das relações entre música eletrônica e xamanismo, isto é, aquilo que as pessoas diretamente envolvidas com a produção, distribuição e consumo de música eletrônica de pista dizem sobre o potencial xamânico desse tipo de música. A análise desse discurso nativo busca responder à questão: o que é “música eletrônica de pista” e o que é “xamanismo” quando a música eletrônica de pista é xamânica? Em segundo lugar, abordarei casos etnograficamente documentados daquilo que chamei de o “devir máquina” do xamanismo tradicional, ou seja, situações de contato em que xamãs indígenas, diante de máquinas e tecnologias modernas, afirmam encontrar nelas materializações mais ou menos completas de suas próprias capacidades, funções e técnicas rituais. A análise desses casos busca responder à questão: o que é xamanismo e o que são as máquinas quando os xamãs são máquinas? A pesquisa focalizou o discurso nativo da música eletrônica de pista no Brasil (apesar de também considerar casos de xamanismo em outras regiões do mundo). Uma vez encontrado o ponto de convergência entre os dois xamanismos (o da música eletrônica e o indígena), levanto algumas questões teóricas metodológicas mais gerais acerca do estudo contemporâneo de fenômenos ligados à religião, em especial às experiências de transe e de alteração da percepção ligadas à música e à dança (provocadas também, embora não somente, por substâncias psicoativas).

4) Beatriz Caiuby Labate e Gustavo Pacheco
Doutoranda em Antropologia Social pela Unicamp e Pesquisadora do NEIP - Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre Psicoativos
Doutor em Antropologia Social pelo Museu Nacional/UFRJ
bia_labate@yahoo.com.br
gustpacheco@gmail.com

Hinos e Chamadas, Abrindo as Portas do Céu

Ainda que a maioria dos estudos reconheça a centralidade da experiência musical nos rituais das religiões ayahuasqueiras brasileiras, em geral, este tema ainda é pouco explorado, apenas aparecendo ao lado de muitos outros aspectos tratados, sem ganhar um status de análise próprio. O papel preponderante que a música ocupa no cotidiano dessas religiões, na produção dos significados religiosos e na construção do corpo e da subjetividade dos adeptos, indica que a dimensão musical merece maior atenção. O objetivo deste trabalho é oferecer uma visão introdutória e panorâmica dos aspectos musicais dos cultos do Santo Daime (nas suas vertentes “Alto Santo” e “Cefluris”) e da União do Vegetal (ou UDV, como também é conhecida), pensando qual é o papel da música na experiência religiosa destes grupos. A partir de uma breve descrição do fazer musical de ambas as religiões faremos uma análise comparativa, destacando o que as une e o que as separa no âmbito da música. Procuramos entender como este fazer musical de cada grupo – e o contraste entre eles – pode esclarecer aspectos mais gerais destes movimentos religiosos. Por fim, sugerimos algumas implicações teóricas para o estudo das experiências envolvendo o consumo de substâncias psicoativas, particularmente do papel da música na experiência ayahuasqueira.

5) Sandra Lucia Goulart
Prof. da Fundação Faculdade Cásper Líbero de São Paulo e Pesquisadora do NEIP
sgoular@uol.com.br

Estigmas de Cultos Ayahuasqueiros

Pretendo abordar o caso de grupos religiosos surgidos, inicialmente, na Amazônia brasileira, a partir de 1930, que consumem o chá psicoativo conhecido pelos nomes de Daime, Vegetal, Ayahuasca, entre outros. Seguindo uma abordagem histórica, mostra-se que, numa primeira fase, esses cultos eram acusados por diferentes setores da sociedade brasileira de práticas de “macumba”, “feitiçaria” e “curandeirismo”. Atualmente, os estigmas sofridos pelas religiões ayahuasqueiras se transformaram. O uso do chá e as práticas rituais ligadas a ele passam a ser estigmatizados na medida em que são associados ao consumo de “drogas”. Sustento que as principais alterações nos tipos de acusações sofridas pelas religiões ayahuasqueiras começam a se manifestar de modo mais evidente nos anos setenta, momento de recrudescimento político no Brasil e em outros países da América do Sul. É nesse contexto que se delineia, na sociedade brasileira ─ em função, também, de um cenário internacional ─, a figura de um novo tipo de desviante, o “drogado”. Do mesmo modo, é a partir desse período que se inicia o processo de expansão dessas religiões amazônicas para outras regiões do Brasil (mais metropolitanas), bem como para o exterior. Estes novos fatos alteram a imagem social das religiões ayahuasqueiras, transformando suas relações com diversos setores da sociedade e com o Estado. Cada vez mais, também, esses cultos passam a abarcar fiéis de diversos segmentos sociais, e os estigmas acionados contra eles se vinculam muito mais a fatores como “estilos de vida desviantes” do que a discriminações de “raça” ou de “classe”.

6) Edward MacRae
Prof. Dr. Adjunto da Univ. Estadual da Bahia (UFBA); Pesquisador do Centro de Estudos e Tratamento do Abuso de Drogas - CETAD/UFBA; Pesquisador do NEIP
macrae@uol.com.br

A Elaboração das Políticas Públicas Brasileiras em relação ao Uso Religioso da Ayahuasca

Esta comunicação pretende empreender uma comparação entre as tentativas de “controle científico” das religiões afro-brasileiras no início do século vinte e o atual processo de elaboração de políticas públicas em relação às religiões ayahuasqueiras. São várias similaridades no processo, incluindo a importância do papel desempenhado por agentes da justiça, médicos e antropólogos simpáticos ou não às religiões de transe, sejam elas as “de possessão” (caso das religiões afrobrasileiras), sejam elas de “vôo xamânico” (caso das religiões ayahuasqueiras). Nos dois casos, visualizamos, num primeiro momento, esforços de ingerência de órgãos estatais nas atividades de grupos religiosos “minoritários”. Em ambas as situações, percebe-se que esta ingerência externa envolve, inicialmente, um predomínio de argumentos de ordem policial e médica. Entretanto, num segundo momento da história desses cultos, percebemos que cientistas de diferentes áreas (além da médica) passam a atuar como mediadores entre os adeptos das religiões que estão sendo avaliadas e os órgãos encarregados da sua repressão. Uma das conclusões apresentadas é que, atualmente, apesar do discurso dominante ainda fornecer especial valor ao ponto de vista da biomedicina, ganham importância as considerações dos antropólogos que insistem em realizar uma abordagem mais ampla dos aspectos socioculturais implicados na questão. Ao mesmo tempo, destaca-se o papel dos próprios representantes desses cultos na elaboração de políticas públicas sobre suas práticas religiosas. Nesse sentido, até certo ponto, observa-se, no cenário brasileiro, um bom exemplo de política pública sobre drogas que leva em consideração fatores de ordem sóciocultural em geral e religiosa em particular.

7) Antonio Marques Alves
Mestrando em Ciências da Religião na PUC-SP.
ge_marques@terra.com.br

Tambores para a Rainha da Floresta: a inserção da Umbanda no Santo Daime

A presente pesquisa se ocupa do movimento pelo qual a Umbanda ganhou espaço e legitimidade no interior de um dos grupos ligados à tradição das religiões que fazem uso da bebida psicoativa ayahuasca. Trata-se de um grupo do culto do Santo Daime, o Cefluris, fundado em 1978, em Rio Branco, Acre. Sem fazer parte do conjunto ritual do primeiro grupo daimista, o “Alto Santo”, criado ainda na década de 1930, também em Rio Branco, por Raimundo Irineu Serra (o Mestre Irineu), a possessão ou a incorporação de entidades espirituais nos rituais, o discurso e os cantos às entidades da Umbanda ganharam voz e significados no novo grupo daimista do Cefluris. Dentre as religiões ayahuasqueiras brasileiras, o Cefluris é certamente aquela que, ao expandir-se, manteve relações mais intensas com a "modernidade", e imprimiu uma estratégia de grande flexibilidade doutrinária, sendo a Umbanda talvez um dos seus maiores ícones de diferenciação com relação a “linha” daimista original, conhecida genericamente como "Alto Santo". A pesquisa que apresento busca descrever os primeiros momentos de aproximação entre o Cefluris e a Umbanda na década de 1980 e os principais episódios que marcam a inserção progressiva de novas modalidades de ritos com influência “afro” - os quais, em alguns casos, servem como espécie de 'mitos de origem' que fundamentam a narrativa umbandista no imaginário daimista.

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Mais uma pesquisa em andamento sobre o Santo Daime no exterior

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Margareth Menezs, UDV e Movimento GLBTT