Impressões em primeira mão sobre a audiência da Suprema Corte no caso jurídico da UDV nos EUA
Matthew Meyer (mdmeyer@virginia.edu)
Doutorando em Antropologia Social pela Universidade de Virginia
Na terça-feira, primeiro de novembro, a Suprema Corte norte-americana ouviu as partes no caso Gonzáles v. Centro Espírita Beneficente União do Vegetal.
Por volta de 50 membros norte-americanos da UDV estiveram presentes, chegando antes do amanhecer para assegurar um assento no salão. Depois chegaram também alguns representantes brasileiros da União do Vegetal: Mestre Geral Representante José Luiz de Oliveira, Presidente da Diretoria Geral James Allen e Ex-Presidente da Diretoria Geral Edson Lodi Campos Soares. Também estavam presentes o Mestre Jeffrey Bronfman, Presidente da UDV nos Estados Unidos, e seus advogados, John Boyd e Nancy Hollander, que defendeu o caso perante a Corte.
Darei aqui apenas algumas impressões gerais a respeito da audiência. A maioria dos juízes se mostrou simpática à idéia de que a lei de liberdade religiosa em questão poderia autorizar uma exceção à lei antidrogas no caso da UDV nos EUA. Até mesmo Antonin Scalia, o autor da decisão contrária ao uso do peiote pela Igreja Nativa Americana (NAC), em 1990, pareceu crer que seria possível abrir outra exceção no caso da UDV “sem que o céu caísse sobre nós”.
O novo Chief Justice (Ministro Presidente do Tribunal Superior), John Roberts, por sua vez, ouvindo seu primeiro caso envolvendo questões acerca do direito da liberdade religiosa, pareceu achar muito inflexível a posição do governo, que, ressaltou ele, proibiria até uma religião que usasse “apenas uma gota da substância alucinógena apenas uma vez ao ano.”
Os juízes questionaram os advogados de ambos lados mais do que se esperava acerca do papel, neste caso, da United Nations Convention on Psychotropic Substances, de 1971. O governo tem insistido cada vez mais na importância desta Convenção na luta mundial contra as drogas, argumentando que é preciso que os EUA proíbam que a UDV importe o chá hoasca para pressionar outros países a cumprirem o tratado também.
A argumentação da UDV, porém, enfatiza que a Convenção de 1971 (que proibiu o consumo da DMT) nem sequer menciona a hoasca ou a ayahuasca. Para complicar o panorama, é necessário destacar que a Justiça de primeira instância que apreciou o caso anteriormente não analisou evidências a respeito desta questão, pois na época o governo não baseou seu argumento nesse ponto.
O que deve acontecer a partir de agora? A mídia tem afirmado que o caso pode ser resolvido até o final do inverno norte-americano, em janeiro ou fevereiro de 2006, mas os resultados podem demorar até maio ou junho. Se não houver uma decisão até que a juíza Sandra Day O’Connor se aposente, o que ocorrerá assim que ela puder, é possível que haja outra audiência com o novo juiz designado para ocupar o seu posto -- o que atrasaria mais ainda o processo.
O pior que poderia ocorrer na perspectiva da UDV, que parece pouco provável, seria uma decisão da Corte que afirmasse a posição do Executivo (não permitindo uma exceção à lei antidrogas para a UDV) e não oferecesse ao grupo o direito de recorrer. Na minha opinião, o que provavelmente ocorrerá é uma decisão que mande o caso de volta para a Justiça de primeira instância onde ele teve início, para concluir o processo. Vale lembrar que ao longo dos quase cinco anos de tramitação do caso, toda a polêmica tem ocorrido apenas em torno de um "mandado de segurança" que foi dado provisoriamente à UDV permitindo que o grupo pratique normalmente a sua religião. Enquanto a Suprema Corte não aprecia o caso, esse mandado permanece em vigor.
(Revisão do português por Bia Labate)